Riscos envolvem aumento de viagens dentro do país, importação de novas variantes e aumento da taxa de contágio; Argentina e Colômbia desistiram de sediar torneio.
A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) anunciou, nesta segunda-feira (31), que o Brasil irá sediar a Copa América, de 11 de junho a 10 de julho, depois da desistência de Argentina e Colômbia.
Especialistas ouvidos pelo G1 criticaram a decisão – eles avaliaram que os riscos incluem o aumento de viagens dentro do país, importação de novas variantes e aumento da taxa de contágio.
Marcelo Otsuka, infectologista e coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), afirmou que neste momento não é ideal ter uma competição desse porte no país.
“O Brasil tem um alto número de casos e ainda vive um platô de óbitos e números que ainda são alarmantes, próximos a duas mil mortes por dia“, lembrou Otsuka.
A médica Lucia Pellanda, professora de epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), fez avaliação semelhante.
“Não é o momento, quando o país enfrenta o risco de terceira onda. Há um simbolismo muito forte. Precisamos de uma campanha de comunicação para engajamento de toda a sociedade. Quando ídolos e pessoas que a população admira estão vivendo a vida ‘normal’, sem máscaras, desrespeitando regras, isso tem um impacto muito grande. Precisamos de ajuda de todos os setores agora”, afirmou a pesquisadora.
O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), disse que a decisão é “temerária”.
“Eu achei uma decisão muito temerária. Tem outros países aqui da América do Sul que estão com a vacinação muito mais avançada e com a pandemia muito mais controlada – o Chile, óbvio, que é o exemplo mais fácil de dar. Então, fica estranho de entender de onde que vem essa decisão”, ponderou.
O Chile tinha surgido como candidato informal para sediar o torneio junto com a Argentina – mas, como só poderia receber um grupo de equipes, a Conmebol achou melhor realizá-lo em um só país, para evitar deslocamentos. Até agora, 52% da população chilena já recebeu as duas doses de alguma vacina contra a Covid-19.
Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, classificou a decisão como “inacreditável” e “leviana”. “Eu acho que num momento tão grave que estamos vivendo, você sinalizar que isso [sediar a Copa América] é uma situação possível e boa é no mínimo leviano.”
“Você vai ter uma circulação de indivíduos, vários times de futebol circulando, vários países que não fecharam fronteiras para locais com variantes de preocupação e que podem entrar no Brasil. Estamos vendo os ‘atletas’ se colocando em risco em festas clandestinas em um cenário catastrófico. Além disso, essa faixa etária nem tem vacina prevista. Tudo isso só colabora para a gente ir contra esse tipo de evento no país”, disse Suleiman.
O infectologista acredita que estados devem se organizar contra o evento. “Não devemos aceitar esse tipo de imposição. Está mais do que na hora dos governos estaduais se organizarem para impedir a realização desse tipo de evento nos seus estados.”
Dois especialistas ouvidos pela reportagem qualificaram a decisão da confederação como “triste”.
“Eu acho triste. Fazer eventos de competição internacionais, quaisquer que sejam, em tempos de pandemia não é, em termos sanitários, uma indicação que possa ter amparo na ciência. Você pode encontrar justificativas comerciais, legais, de entretenimento, mas a ciência jamais vai amparar uma decisão de fazer eventos, quaisquer que sejam”, avaliou Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Fonte: G1